fbpx

Literatura para quê?

Você já se perguntou para que ler? Eu amo ler, estudar, pesquisar, mas há momentos em que me pergunto literatura para quê?

Lemos, mesmo se ler não é indispensável para viver, porque a vida é mais cômoda, mais clara, mais ampla para aqueles que leem que para aqueles que não leem.\” (COMPAGNON, 2009, p. 29)

E a resposta encontrei neste livro de Antoine Compagnon, fruto de uma palestra de inauguração de uma cadeira de literatura no Collège de France, em 30 de novembro de 2006. 

O livro foi publicado aqui no Brasil em 2009, pela UFMG. A tradução é de Laura Taddei Brandini.

\"Capa
Livro Literatura para quê?

Antoine Compagnon é escritor e crítico literário, especialista em Proust. Além de Literatura para quê?, escreveu vários outros livros como O demônio da teoria: literatura e senso coumum e Os cinco paradoxos da modernidade.

Literatura para quê? é um pequeno livro de pouco mais de 50 páginas.

O texto inicia fazendo uma retormada de conceitos como retórica e poética, filologia, estudos literários, história da literatura e crítica literária.

Em seguida, Compagnon reflete sobre: 

  • Por que falar de literatura moderna e contemporânea. (Ele reflete sobre a literatura francesa, obviamente, mas pode ser aplicado a qualquer uma);
  • Qual é o espaço público da literatura?
  • A literatura é útil para a vida?
  • Por que defender a literatura na escola?

Após esses questionamentos, Compagnon conclui que \”É necessário refletir sobre os usos e o poder da literatuta.\”

E aí ele faz um breve percurso para determinar como a literatura perdeu seu lugar de prestígio ao longo do tempo. 

Até o séc. XIX, havia uma unidade entre língua, literatura e cultura. A literatura tinha muito espaço nas escolas, na imprensa e no lazer. Diversos autores brasileiros começaram suas carreiras em jornais, por exemplo.

Porém, as escolas implantaram uma ideia de literatura como recreação. Com isso, a literatura passou a ser vista como manipulação e não como libertação.

Assim, Compagnon acredita que \”É tempo de se fazer novamente o elogio da literatura, de protegê-la da depreciação na escola e no mundo)\” (p. 45)

Os quatro pores da literatura

E por que devemos ler e estudar literatura?

Por que a literaura tem poder. Na verdade, segundo Compagnon, ela tem quatro poderes:

  • poder moral;
  • poder de cura e função de laço social;
  • poder de corrigir os defeitos da linguagem;
  • poder pós-moderno – impoder sagrado

Poder moral – definição clássica

O homem aprende através da imitação (mímesis) ou seja, da literatura como ficção. Portanto, a literatura educa e traz prazer.

Através da literatura, e hoje também de filmes e séries, purificamos nossas paixões – catharsis. A catarse, é um termo utilizado por Aristóteles em sua Poética. A origem do termo está na medicina. Porém, segundo Lesky (2015, p. 28), Catarse é uma mistura de alívio e prazer. Embora Lesky deixe claro em A tragédia grega, que a catarse a qual se refere Aristóteles não tenha um aspecto moral. 

Mas para Compagnon \”… a experiência e o exemplo guiam a conduta melhor do que as regras.\” ( 2009, p. 32)

Poder de cura e função de laço social

A ficção, ou literatura de imaginação, é desinteressada, por isso tem função de laço social. A obra romântica, por exemplo, pretendeu instaurar uma unidade das comunidades, das identidades e dos saberes.

Sendo assim, a definição romântica do poder da literatura é a de que a literatura:

  • liberta da sujeição às autoridades;
  • cura da incerteza religiosa;
  • é instrumento de justiça e tolerância;
  • confere autonomia ao sujeito;
  • contribui para a liberdade e resposabilidade.

 Portanto,  \”A literatura é de oposição: ela tem o poder de contestar a submissão ao poder.\” (p. 34)

Agora, Compagnon alerta que “Se a literatura substitui a religião, ela mesma se torna um ópio…\” (p. 36) Esse raciocínio provém da frase “A religião é o ópio do povo” presente nos textos de Marx, mas que remete a um texto de Hegel.

Poder de corrigir os defeitos da linguagem

Esta já é uma definição moderna. Isso porque a Poesia é considerada remédio para os males da sociedade e inadequação da língua.

E já que a linguagem da literatura ultrapassa os limites da linguagem ordinária, ela pode ser considerada uma filosofia. A explicação está no fato de o poeta ser capaz de expor uma verdade oculta, inconsciente, inexprimível.

Portanto, a literatura nos ensina a não sermos enganados pela língua, nos torna mais inteligentes, ou diferentemente inteligentes.

Mas a literatura também diverte. Porém, é um jogo perigoso, já que não é um jogo insignificante.

Poder pós-moderno

O poder mais recente é o impoder sagrado. (p. 44)

Desejava-se o Impoder porque apesar de tudo, a literatura continuava tendo um poder incontestável.

Contribuições da literatura

Durante o texto, Compagnon vai trazendo diversas contribuições da literatura para a nossa vida. Abaixo trago algumas dessas contribuições para que possamos refletir e até usar como argumento quando, e se for necessário. 

A literatura é:

  • fonte de inspiração; 
  • auxilia no desenvolvimento de nossa personalidade ou em nossa \’educação sentimental\’.\” (p. 46);
  • contribui para a ética moral e para a ética especulativa. (p. 46-47);
  • \”contém um saber insubstituível, circunstanciado e não resumível sobre a natureza humana, um saber de singularidades.\” (p. 47);
  • \”A literatura desconcerta, incomoda, desorienta, desnorteia mais que os discursos filosófico, sociológico ou psicológico porque ela faz apelo às emoções e à empatia.\” (p. 50);
  • \”nos liberta de nossas maneiras convencionais de pensar a vida – a nossa e a dos outros – , ela arruína a consciência e a má-fé.\” (p. 50);
  • \”oferece um conhecimento diferente do erudito, porém mais capaz de esclarecer comportamentos e as motivações humanas.\” (p. 51);
  • \”é um exercício de pensamento: a leitura, uma experimentação dos possíveis.\” (p. 52);

é mais atenta que a imagem e mais eficaz que o documento, e isso é suficiente para garantir seu valor perene: ela é A vida: modo de usar…\” (p. 55)

Portanto, a literatura ainda é a melhor forma de educar a nossa imaginação.

Concluindo

Assim a leitura é o lugar onde aprendemos sobre nós e sobre o outro; de descoberta de uma personalidade em constante construção e transformação. 

A literatura deve, portanto, ser lida e estudada porque oferece um meio – alguns dirão até o único –  de preservar e transmitir a experiência dos outros, aqueles que estão distantes de nós no espaço e no tempo, ou que diferem de nós por suas condições de vida. Ela nos torna sensíveis ao fato de que os outros são muito diversos e que seus valores se distanciam dos nossos.\” (47)

Literatura para quê? é um livro rico e importante de ser discutido. Inflizmente, está esgotado. Vamos torcer para que a editora traga-o novamente para o catálogo o quanto antes.


Descubra mais sobre Alê Costa

Assine para receber os posts mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário

Descubra mais sobre Alê Costa

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading

Rolar para cima